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A importância da terapia e da supervisão

O ano de 2020 está quase acabando. Nada foi fácil, ou melhor, tudo saiu do controle! Arrisco a dizer que foi um ano difícil para todas as pessoas, onde sonhos foram adiados, adaptações das novas rotinas geraram estresse, isso quando não fomos acometidos pelas piores consequências da pandemia, com o desemprego, miséria e morte. Em um panorama desolador como esse, fica ainda mais evidente a fragilidade de nossa saúde mental. Necessitamos de cuidados nesse âmbito, sejamos nós terapeutas, pais, crianças, jovens... Sem saúde mental, não há saúde!


Mas não é apenas por conta da pandemia que devemos cuidar de nossa saúde mental. Esse cuidado deve ser uma prioridade ao longo do ano, e de todos os anos. Quando as dificuldades ultrapassam as capacidades de enfrentamento, precisamos pedir ajuda; quando estamos em busca de auto conhecimento, precisamos pedir ajuda; quando algo inesperado e traumático acontece em nossas vidas; precisamos pedir ajuda. Pedir ajuda não é um ato de fraqueza, mas de força e de enfrentamento, é uma busca por se tornar uma pessoa melhor, ressignificar as dificuldades e se tornar disponível para novas vivências e novos aprendizados.


Eu faço terapia desde o ano de 2013, quando houve um evento muito marcante na minha vida e na vida de muitos santamarienses (para quem não sabe, eu sou natural de Santa Maria, no RS): o incêndio na Boate Kiss (27 de janeiro de 2013) que matou 242 pessoas e feriu outras 680. A dor de ter perdido um primo que sempre fora muito amado foi de mais, eu tinha sintomas condizentes com transtorno do estresse pós-traumático (TEPT), não dormia direito, não comia direito, não pensava direito... Depois de um tratamento longo e intensivo, segui com a terapia na minha agenda, nem sempre de forma contínua. Às vezes fico vários meses sem, então encontro um ponto que precisa ser trabalhado e busco ajuda novamente. Percebo que esse trabalho tem sido crucial para o meu desenvolvimento pessoal e profissional, pois esses dois caminhos sempre andam juntos e quando um não vai bem, o outro também é afetado. Duas faces da mesma moeda que precisam de equilíbrio.


Eu vivo diariamente com o estresse. Vivo uma busca incessante de ser uma boa musicoterapeuta (o que envolve MUITO estudo, trabalho no consultório, trabalho em casa fazendo avaliações e pareceres, reuniões com profissionais e as famílias, divulgação profissional, pesquisa e divulgação científica, relatórios para planos de saúde, controle de pagamentos...), para fazer o melhor possível pelas famílias que atendo, que passam por situações difíceis na busca de diagnóstico, na busca pelo tratamento, no sofrimento quando as coisas não vão bem e quando a evolução demora mais do que eles gostariam. Sim, eu sofro junto, porque sou humana e porque me importo. Evidentemente não posso deixar esse sofrimento tomar conta dos meus dias e interferir na minha funcionalidade, então, além de fazer terapia, existe um outro caminho extremamente importante, que é a supervisão profissional. Funciona assim: quando me vejo com dificuldades na operacionalização do meu trabalho, procuro um (a) musicoterapeuta mais experiente e apresento meu caso, assim ele/ela me ajuda a buscar alternativas e a enxergar pontos importantes dentro do tratamento, da relação com as famílias e qual o caminho eu devo seguir. É um trabalho sob demanda, no meu caso, mas outras pessoas optam por fazer supervisão de forma mais frequente, com grupos de colegas da mesma profissão, em equipes multiprofissionais, etc. As configurações podem ser as mais diversas, tudo depende da necessidade. E além de esse serviço colaborar diretamente com os meus atendimentos, também me dá base para eu mesma ser supervisora de outros musicoterapeutas. Nesse ano dei minhas primeiras supervisões e pude experienciar outro lado da minha profissão, extremamente satisfatório, onde posso colaborar com o trabalho dos colegas que me procuram.


Sobre esse assunto, encontrei um livro muito interessante que se chama Talvez você deva conversar com alguém, escrito pela psicoterapeuta americana Lori Gottlieb. A leitura é fácil e eu indico não apenas para quem trabalha com terapia, mas para todos os que possam a vir necessitar de terapia (todos os humanos da face da terra, no caso). Lori aborda alguns casos que ela atendia em seu consultório, falando um pouco como é colaborar com o processo de busca pela saúde mental dos seus clientes. Ela também aborda como é ser uma terapeuta em terapia, quando as coisas na sua vida pessoal começam a desmoronar e como os sofrimentos não são mais ou menos "sofridos", mas cada um deve aprender a entender sua dor e trabalhá-la a fim de transformá-la (muitas vezes a cura para um trauma não existe, mas a forma como olhamos para esse trauma pode ser modificada). O tema da supervisão também está presente no livro, ela leva seus casos mais difíceis para uma supervisão em grupo com colegas psicoterapeutas, onde todos fazem comentários e tentam colaborar de forma positiva com as dificuldades que os colegas estão enfrentando.



Um frase em especial me chamou a atenção nesse livro: ao terapeuta cabe chorar sozinho. Quando Lori pronuncia essas palavras, ela está passando por um momento de perda profissional, um momento difícil ao qual ela vinha se preparando e que ecoou vários outros sentimentos e situações que envolviam sua vida pessoal. E a conclusão desse momento difícil e da reflexão que ele gerou, é a de que ninguém necessita chorar sozinho. Precisamos de redes de apoio, ter com quem contar, e especialmente quando ombros amigos não são suficientes, quando o sofrimento é demasiado, a terapia e a supervisão são a chave para a nossa reestruturação.


Saúde mental importa!

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