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Vamos falar sobre neurodiversidade?



Neurodiversidade é uma ideia cunhada pela socióloga Judy Singer no final da década de 1990 com sua tese de doutorado que fora transformada no livro Neurodiversity: The Birth of an Idea, e disseminada pelo jornalista Steve Silberman com o lançamento do livro NeuroTribes: The Legacy of Autism and the Future of Neurodiversity, em 2015. Considera condições como o autismo, TDAH, dislexia, AH/SD, entre outras, como variações naturais da neurologia humana, e não doenças ou distúrbios que necessitam ser curados. Ainda, entende-se que as pessoas neurodiversas deveriam ser mais respeitadas dentro da sociedade por conta do seu funcionamento diferenciado, e a partir do recebimento de atendimentos e acessibilidade condizentes com suas necessidades, terem a oportunidade de desenvolver o seu pleno potencial.


Esse termo foi cunhado nos Estados Unidos e é algo ainda importado, pois o protagonismo de algumas pessoas com deficiência no Brasil está dando seus primeiros passos. Porém, ele é concernente com o movimento "Nada sobre nós, sem nós", que luta pela participação das pessoas com deficiência em todas as esferas da sociedade. Essa proposição surgiu na década de 1960, mas ganhou força apenas a partir do ano de 1981, com o Ano Internacional das Pessoas Deficientes, cujo lema foi "Participação Plena e Igualdade".


Naquele tempo, as deficiências físicas, ou que traziam marcadores físicos, como a Síndrome de Down, surdez e cegueira, obtiveram maior visibilidade e angariaram respeito e espaços dentro da sociedade mais rápido do que outras condições. No caso de pessoas com Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD) (condição que não envolve apenas desenvolvimento acadêmico a cima da média, mas também pode acarretar assincronia no desenvolvimento global e desajuste sócio-emocional, sendo, portanto, público alvo da educação especial), elas foram consideradas detentoras de direitos e de acesso a benefícios legais apenas com a promulgação da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. No ano de 2008, com o Decreto 6.571, passaram, finalmente, a ter direito ao atendimento educacional especializado. Apesar de existir esse aporte legal, a população com AH/SD ainda é sub-diagnosticada, pois faltam profissionais capacitados e quebra de mitos sobre como a condição se manifesta. Com a falta de identificação, muitas pessoas não tem a oportunidade de se conhecer melhor, trabalhar as suas habilidades, bem como as suas dificuldades, podendo serem diagnosticadas erroneamente e até utilizarem medicação de forma inadequada. Vale ressaltar que nem toda pessoa com AH/SD terá seu desenvolvimento assincrônico ou necessitará de apoio especializado, porém a identificação é importante para o enriquecimento das habilidades do indivíduo, bem como o encaminhamento para o suporte terapêutico adequado quando for necessário.


No caso do Transtorno do Espectro Autista (TEA), que não traz nenhuma marca física, por se tratar de um transtorno do neurodesenvolvimento que afeta a sociocomunicação e o comportamento, ainda existem dificuldades na realização do diagnóstico precoce, pois este necessita de equipe multidisciplinar altamente treinada. Além disso, muitos preconceitos permeiam os transtornos do neurodesenvolvimento (quem nunca ouviu alguém dizendo que a criança não fala porque tem preguiça? Ou que o mau comportamento é excesso de mimo e falta de cinta?), por conta de uma visão simplista e preconceituosa da população. As pessoas com TEA foram consideradas pessoas com deficiência apenas no ano de 2012, com a Lei Berenice Piana, o que faz a sua caminhada em busca de direitos muito recente e árdua, tendo em vista o alto custo dos tratamentos e a dificuldade em se encontrar profissionais qualificados, sejam neuropediatras, musicoterapeutas, terapeutas ocupacionais, psicólogos, etc.


Esses são apenas dois exemplos, mas existem tantas outras condições, síndromes e transtornos que são vítimas de senso comum, falta de entendimento, falta de pesquisa e falta de disseminação dentro da sociedade, que é válido relembrar que o entendimento de que somos neurodiversos, ainda está engatinhando e que vai demorar um bom tempo até se estruturar. Em contrapartida, existem movimentos que lutam pela cura de condições como o TEA, Síndrome de Down e outras síndromes genéticas. Entendo que algumas manifestações desses transtornos/síndromes são mais intensos e requerem uma quantidade imensa de dedicação (de tempo e financeira), mas a luta pelo reconhecimento e respeito da neurodiversidade não ignora a necessidade de tratamento e cuidados àqueles que são acometidos por essas e outras condições. Por fim, acredito que as diferenças devem ser reconhecidas e respeitadas, acima de tudo, e que a educação e disseminação dentro da sociedade facilitará nossa luta por direitos, acesso à saúde e educação de qualidade. Quem sabe a neurodiversidade possa ser o nosso "novo normal"?!


Se você quiser saber mais sobre o assunto, além dos livros já citados na s referências desse post, indico o livro Longe da Árvore, de Andrew Solomon, pois ele é um tratado sobre a diversidade e sobre a própria humanidade. Após extensa pesquisa, trazendo dados históricos e entrevistas com famílias, o autor aborda a parentalidade junto de pessoas surdas, anãs, com Síndrome de Down, autismo, esquizofrenia, deficiências múltiplas, prodígios, que sofreram estupro, que cometeram crimes e transgêneros.



"É triste quando você percebe que é diferente? Ou é simplesmente aceitar de alguma forma sua própria identidade?"

(Longe da Árvore, de Andrew Solomon)

Referências

SINGER, J. Neurodiversity: The Birth of an Idea (1990).

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